Há duas semanas, João Pedro Mattos Pinto foi baleado e morto durante uma operação policial, em São Gonçalo (RJ). João Pedro era um menino negro, de 14 anos, que brincava com primos e amigos dentro de casa. João Pedro tinha planos e sonhos para o seu futuro, que foram interrompidos de forma violenta por agentes policiais, gerando tristeza, indignação e revolta em sua família e em todos aqueles que acreditam e lutam por uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais segura para todos e todas.
Lamentamos e nos indignamos com as mortes de João Pedro, George Floyd e das milhares de pessoas negras que vêm perdendo suas vidas ao longo dos anos, no Brasil e no mundo, por causa do racismo sistemático e estrutural, que atinge proporções pandêmicas. Além dos casos mais explícitos de violência policial, políticas públicas, como as de saúde, educação e moradia, também afetam de forma desigual a vida da população negra. No Brasil, o risco de morte por COVID-19 neste período de pandemia é 62% maior para pessoas negras [1].
O Laboratório Interagir [2], da Universidade Federal do Paraná, pesquisa e atua por meio de práticas para a promoção da convivência em espaços educacionais, para que se tornem cada vez mais seguros, onde todos e todas possam aprender e desenvolver seu potencial pleno. Para que todos e todas tenham o direito de crescer. E para isso, todos e todas precisam viver.
Por ser um fenômeno tão presente em nossa sociedade, a discriminação racial e seus efeitos no contexto educacional têm feito parte de muitas de nossas pesquisas e ações.
Verificamos, por exemplo, que experiências de discriminação no ambiente universitário, embora ainda pouco estudadas no Brasil [3], estão associadas ao comportamento de isolamento e menor ajustamento, ainda que o suporte social de amigos e familiares possa atenuar essa relação [4]. No ensino médio brasileiro, verificamos que a discriminação racial afeta o desempenho acadêmico, tanto em nível individual quanto da escola, mas que o efeito é menor em escolas mais diversas e que adotam mais práticas de educação para a diversidade [5]. E, embora a escola possa ampliar os danos do preconceito, fazendo com que estudantes negros e negras apresentem autoconceito cognitivo significativamente mais baixo que os demais estudantes [6], ela também pode ser um meio para aumentar o acesso à justiça e atenuar os efeitos da discriminação [7], sendo fundamental na formação das opiniões das crianças sobre instituições sociais [8].
Em 2017, colaboramos com a realização da primeira turma do Pré-Pós UFPR – Formação Pré-acadêmica Afirmação na Pós-graduação UFPR –, com o objetivo de contribuir para maior equidade e diversidade no acesso a programas de mestrado e doutorado. No ano seguinte, desenvolvemos o curso de aperfeiçoamento Aprendendo a Conviver [9], visando capacitar educadores para a prevenção da violência, preconceito e discriminação no ambiente escolar, a partir da perspectiva da educação em direitos humanos.
Portanto, assim como tantas outras pessoas que se revoltam com o racismo e toda forma de discriminação, estamos inconformados. E com nossa indignação, reforçamos nosso compromisso com o respeito às diferenças, a convivência e o desenvolvimento pleno de todas as pessoas.
Nas próximas semanas, dentro da proposta do Programa DIGA – que busca promover relações mais saudáveis nas escolas, famílias e comunidades – estaremos disponibilizando planos de ensino voltados à educação para a diversidade. Lançaremos, também, no portal UFPR Aberta [10], o módulo “Bullying, racismo e discriminação racial” do curso Aprendendo a Conviver [10], para aprofundar a reflexão e discussão sobre práticas educacionais antirracistas. Além disso, estamos planejando o desenvolvimento de um projeto para a melhoria da convivência e do clima escolar por meio de dados de avaliação, focando na promoção da equidade racial. A educação para a equidade racial pode contribuir para o acesso à justiça, e atenuar os efeitos devastadores do racismo. Porém, a escola também pode exacerbar esses prejuízos por meio de práticas injustas e desiguais.
Neste momento marcado pela intensificação de desafios e riscos para a população negra, todos nós que trabalhamos na área da educação precisamos pensar sobre nossas atitudes, nossas práticas, nosso ensino e nossas pesquisas: afinal, estamos contribuindo para as mudanças que a nossa sociedade precisa?
Grupo Interagir
Subscrevem este manifesto:
Daiane S. Vasconselos
Jonathan B. Santo (University of Nebraska at Omaha, EUA)
Josafá M. da Cunha
Kendra Thomas (University of Indianapolis, EUA)
Loriane Trombini Frick
Sarah Aline Roza
Vitor Atsushi Nozaki Yano
Michael Alisson Cruz de Freitas
Linie Machado
Bianca Nicz Ricci
Cintia G. M. de Carvalho
Matheus do Nascimento Batista
Janayna A. do Nascimento da Trindade
Hellen Tsuruda Amaral
Ana Cristina Bittencourt
Renata Cristina dos Reis
Elisiane Röper Pescini
Eyshila Giovanna Röper Pescini
Francine Porfirio Ortiz
Nathália Savione Machado
Giovanna Cordeiro Saltori
[1] http://www.isc.ufba.br/em-sao-paulo-risco-de-morte-de-negros-por-covid-19-e-62-maior-em-relacao-aos-brancos/
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,em-sp-risco-de-morte-de-negros-por-covid-19-e-62-maior-em-relacao-aos-brancos,70003291431
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2020/04/por-que-a-covid-19-e-tao-letal-entre-os-negros.shtml
Goes, E. F., Ramos, D. de O., & Ferreira, A. J. F. (2020). Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3), e00278110. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00278 [2] https://sembullying.com/interagir/ [3] Yano, V., & Cunha, J. M. (2018). Discriminação entre estudantes no ensino superior brasileiro: Uma revisão sistemática. In J. M. da Cunha, L. Z. de Oliveira, R. S. Kirchhoff (Org.). Educação e Interseccionalidades (pp. 117–136). Curitiba: NEAB-UFPR. [4] Roza, S. A. (2018). O suporte social diante da discriminação e da vitimização na adultez emergente [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná]. https://hdl.handle.net/1884/55659 [5] Cunha, J. M. & Santo, J. B. (2020). School (socie)ties: Individual and School Level Differences in the Association between Ethnic Peer Victimization and Academic Functioning. Submetido para publicação. [6] Batista, M. N., Cunha, J. M., Ricci, B. N., Vasconselos, D. S., Bittencourt, A. C., & Macedo, A. M. B. (2020). O autoconceito cognitivo de estudantes pretos(as) e pardos(as). Psicologia Argumento, 37(97), 299. https://doi.org/10.7213/psicolargum.37.97.AO01 [7] Thomas, K. J., Santo, J. B., & da Cunha, J. M. (2019). The predictive value of school climate and teacher techniques on students’ just world beliefs: A comprehensive Brazilian sample. Social Psychology of Education, 22(5), 1239–1257. https://doi.org/10.1007/s11218-019-09524-3 [8] Thomas, K. J., & Mucherah, W. M. (2018). Brazilian adolescents’ just world beliefs and its relationships with school fairness, student conduct, and legal authorities. Social Justice Research, 31(1), 41–60. https://doi.org/10.1007/s11211-017-0301-6 [9] https://conviver.sembullying.com/ [10] https://ufpraberta.ufpr.br/